Seguro, impostos para garantir policiamento, IPVA. Tudo com que o motorista é obrigado a arcar para manter um veículo mais uma caixinha para o flanelinha. Mas nem sempre os chamados guardadores de carro ficam satisfeitos com o trocado para "vigiar" o carro em uma via pública e colocam preço no suposto trabalho. Sem saber direito qual é o serviço prestado pelo flanelinha, o motorista paga para evitar futuro aborrecimento. A indefinição em relação à atuação dos guardadores de carro e o questionamento de muitos motoristas que se sentem "obrigados" a pagar por um serviço que não requisitaram levam juízes a interferirem em decisões que caberiam aos administradores municipais.
O crime de extorsão praticado por flanelinhas que tentam impor aos motoristas remuneração por serviço não requisitado em vias públicas ganhou a esfera jurídica, mas os magistrados ainda têm dificuldade de enquadrar o delito praticado pelos guardadores de carros. Enquanto algumas prefeituras tentam contornar o problema do loteamento das ruas credenciando parte dos guardadores de carros em atividade, a Câmara dos Deputados analisa proposta que pode criminalizar a atuação de flanelinhas não autorizados. O projeto, em tramitação na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado, prevê prisão de um a três anos para quem for apanhado pedindo dinheiro para explorar estacionamento em via pública.
Juízes de Rondônia e de Santa Catarina já condenaram flanelinhas pelo crime de extorsão. Na 3ª Vara Criminal de Porto Velho, o juiz Daniel Ribeiro Lagos julgou caso em que um guardador de carro foi acusado pela vítima, um rapaz que se recusou a pagar R$ 10 em porta de boate para ter o carro "vigiado", de agressão corporal. O guardador jogou uma pedra no carro e atingiu o motorista. A polícia, como acontece na maioria dos episódios envolvendo flanelinhas, levou o caso para um juizado especial e registrou como lesão corporal, mas o promotor decidiu enquadrar como extorsão. "O flanelinha é um flagelo nacional. Eles não prestam serviço nenhum, estão cobrando para não danificar seu carro. Caberia à Polícia Militar e às prefeituras não permitir. Legalizar por quê? Vai ter o serviço prestado? O Estado pega essas coisas e joga no colo do cidadão. Quando não tem mais nenhum bastião de defesa, jogam para o Judiciário", afirma o juiz.
O presidente do sindicado de guardadores de carros de Salvador, Melquisedeque de Souza, afirma que não se deve misturar os guardadores registrados com os ilegais. "Quem faz a represália é o clandestino, o sindicalizado, não. O clandestino arranha, fura o pneu. É essa pessoa que nós precisamos resgatar, educar."
Atualmente, mais de 60 mil flanelinhas ocupam as ruas das capitais do país. Só no Distrito Federal a estimativa é de 8 mil guardadores de carros, pelo menos mil deles ilegais. Informações de sindicatos e associações de flanelinhas de São Paulo dão conta de outros 17 mil no estado e 11 mil no Rio de Janeiro. Os casos de desrespeito ao cidadão também se multiplicam. O brasiliense Rodrigo Castro, funcionário público, conta que estava de férias em Búzios, no Rio de Janeiro, e quando foi estacionar o carro o flanelinha o impediu e disse que só liberaria o lugar mediante pagamento adiantado de R$ 30. Em Brasília, a caixinha também não é voluntária, afirma o funcionário público. "Normalmente eu deixo, não porque eu quero deixar, mas porque tem uma pessoa lá", reclama.
Invasão
Em Belo Horizonte, os flanelinhas invadiram as ruas mais movimentadas. Além de tomarem conta dos carros eles lavam os veículos e administram as vagas. As pessoas que trabalham na região em que eles estão são obrigadas a pagar, diariamente, os "tomadores de conta" para conseguirem um lugar para estacionar.
A coordenadora financeira Flávia Freire Maia , de 28 anos, trabalha na Avenida Getúlio Vargas e paga R$ 40 por mês a uma pessoa que garante uma vaga, todos os dias, na Rua Aymorés. " Ao invés de eu esperar por uma vaga, ele acha a vaga para mim, toma conta do carro, eu deixo a chave com ele, é uma pessoa de confiança", contou. Na Rua Ceará, entre a Rua Gonçalves Dias e a Avenida Afonso Pena, encontramos Carlos Henrique de Jesus do Santos, de 36 anos, lavando os veículos. Ele administra o quarteirão há 20 anos e hoje conta com um ajudante.
Os flanelinhas também batem ponto nas ruas próximas a Puc Minas, no Bairro Coração Eucarístico. Camila Vidal, de 22 anos, pagava um flanelinha semanalmente R$ 5 para parar o carro durante três vezes na semana. " Ele guardava as vagas e ainda tomava conta dos carros", contou. Um dia, depois da aula, Camila teve a surpresa de encontrar o retrovisor, do lado do passageiro, quebrado com marcas de dedos no vidro. Camila disse que o rapaz não estava no local na hora. " No dia seguinte, ele me falou que ficou sabendo do ocorrido e que não tinha ideia de quem era a pessoa que tinha quebrado meu retrovisor. Eu acho que pode ter sido ele, ou então ele foi cúmplice, pois ele sempre fica naquele ponto."
ESTADO DE MINAS
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