A decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de tirar o poder de multa da BHTrans, empresa de capital misto que gerencia o trânsito de Belo Horizonte, ressoa pelas ruas e avenidas da capital. Exemplos típicos de uma terra sem lei foram flagrados no primeiro dia depois que os ministros deram o veredicto. Dados repassados por um agente, que preferiu não se identificar, mostram a redução de 90% no número de fiscais com bloco e canetas nas mãos nas ruas e avenidas. Sem eles e com chuva, o resultado foram retenções em vários pontos da cidade.
Lavadores de carros constataram queda significativa na venda de talões do estacionamento rotativo. Um deles vendeu apenas um terço do total de folhas que costuma levar para a rua, pois motoristas estão em dúvida sobre a permissão da empresa em autuar infratores. Apesar do ar de impunidade, é bom ficar atento: agentes da BHTrans continuam multando até a publicação do acórdão no Diário Oficial da União nos próximos dias e a Polícia Militar também tem efetivo nas vias públicas para punir o mau condutor. A BHTrans parece ter aliviado nas canetadas depois da determinação do STJ.
Ontem, os 400 profissionais que atuam no tráfego da capital foram convocados para uma reunião interna na sede da empresa, no Bairro Buritis, na Região Oeste. Segundo um deles, que pediu anonimato, a orientação é para “pegar leve” e ter mais tolerância com os infratores. “Faço a minha obrigação. Jamais emiti uma multa indevida”, afirma.
Sem grande parte dos agentes nas ruas, ontem foi o dia dos abusos. No Centro da cidade, dos 40 agentes habituais, restaram apenas três. Mesmo assim, outros serviços, como reboque, não estavam de prontidão.
Um carro estacionado em um ponto de táxi na Rua Tupis foi multado e continuou no mesmo lugar. “Ligaram para o reboque, mas ele não veio”, diz o taxista Milton Rodrigues, de 58 anos. Já no quarteirão vizinho, na Rua Rio de Janeiro, houve quem mais uma vez tenha sentido o poder de coerção da BHTrans, acompanhado de prejuízo no bolso.
Estacionado em área de carga e descarga, o taxista Ricardo Alexandre, de 32, deparou-se com um fiscal multando o veículo. “A gente fica sem saber de nada. Achei que eles iam só organizar o trânsito. São incapazes de apitar, pedir para a gente sair do lugar errado. Eles chegam e multam. Já gastei mais de R$ 1,2 mil este ano. Assim não dá. Estamos cansados disso”, desabafa.
Mas houve quem não quis facilitar, como o representante comercial Carlos Eduardo Santos, de 31. Ao parar em estacionamento rotativo, pôs o talão bem à vista. “Sempre ando na linha. Não vou correr o risco de ser multado enquanto a decisão não é publicada. Ainda mais que a BHTrans é uma máquina de multas. Vejo que os policiais militares são mais flexíveis. Já os agentes municipais são irredutíveis”, afirma.
Diferentemente de Carlos Eduardo, houve quem não deu credibilidade à empresa e dispensou o talão do rotativo. “Todo mundo está confuso, sem saber se estão multando ou não. Hoje, vendi 10 folhas de estacionamento, enquanto o normal são pelo menos 30”, conta o flanelinha Alexsandro de Soares, que faz ponto na Rua Tupis.
Corda bamba
Não é mesmo aconselhável encarar BH como uma terra sem leis no trânsito. De acordo com a BHTrans, os agentes continuarão atuando até que não caiba mais nenhum recurso na ação, o que pode demorar meses. Além disso, apesar de o poder de multa da empresa estar na corda bamba, 415 policiais militares do Batalhão de Trânsito (BPTran) continuam como fiscais de trânsito. O efetivo é reforçado por outros militares das 24 companhias de BH, também autorizados a punir infratores.
Apenas ontem foram seis blitzes em diversos pontos da cidade, com a abordagem de cerca de 480 carros. “Fiscalizamos os veículos e motoristas. Mas policiais também ficam nos cruzamentos e percorrem as ruas punindo infrações em áreas de carga e descarga e estacionamento proibido”, alerta o tenente PM Jaime Augusto de Paula. Em uma operação do BPTran na Avenida Portugal, na Pampulha, os militares esperavam apoio da BHTrans, mas não houve. Mesmo assim, desrespeito ao Código de Trânsito Brasileiro (CTB) foi combatido. Roberto Rocha, de 35, teve carro rebocado, perdeu sete pontos na carteira e ainda vai pagar mais de R$ 350 com reboque e multa. “Não sabia que andar sem a placa do carro dava problema”, assusta-se.
UAI
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