quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Se meu fusca passasse (minha crônica no Divirta-se do Estadão)

Fusquinhas no Inhotim

Não sei se entendi essa nova resolução que obriga as auto-escolas a obter um índice de 60% de aprovação dos alunos para poder funcionar. Existe uma indústria da reprovação a candidatos a motorista, é isso? No meu tempo – na encarnação passada – era o contrário. Todo mundo sabia qual era a auto-escola em que só os muito tapados eram reprovados.

Sei disso, porque há duas décadas eu procurei uma auto-escola assim. Já era adulto feito – 26 anos na cara, oito anos trabalhando, sete anos morando sozinho – mas ainda não sabia dirigir. Meu problema é que eu não conseguia dar a partida. O jogo da embreagem era, para mim, o maior mistério da existência terrena. O carro invariavelmente morria. Eu não saía do lugar.

Depois de fazer o dobro ou o triplo de aulas que um aluno normal de 18 anos faria, eu finalmente ganhei alta do meu instrutor. Marcou-se a prova. Era em Cotia.

Esta era a razão da fama de fácil da auto-escola. A prova em Cotia era banal: o aspirante a condutor só precisava dar uma volta na praça. Não tinha ladeira nem baliza. Era como ganhar um diploma de fluência em inglês fazendo um teste em que só caía o verbo “to be”.

Nunca fui o CDF clássico, mas também nunca levei bomba. Sempre tive demasiado apego às férias para continuar na escola por mais tempo do que o estritamente necessário. Tinha pânico de recuperação. Acordava cedo para estudar a matéria que ia cair naquele dia, me dava bem – e esquecia toda aquela química orgânica para sempre.

Não dava para acordar mais cedo e dar uma estudadinha no jogo da embreagem no dia do exame de direção. (Nem dava para esquecer isso depois.) Eram 7 da manhã quando embarquei no ônibus da autoescola para Cotia.

Na tal praça, a fila de garotos era enorme. Eu, com meus 26 anos, me sentia um ancião. Sobrou para mim o Fusca mais baleado. Entrei. Dei partida. O carro morreu. Dei uma segunda partida. O carro morreu de novo. Muito tapado, não percebi que o carro estava engatado. Dei uma terceira partida. O carro morreu. O examinador me mandou sair do carro.

Saí andando sem olhar para trás. Achei o ponto de ônibus de linha na Raposo Tavares e tratei de aprender a dirigir numa auto-escola difícil.

viage naviagem


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